PAUL MASON
DO "GUARDIAN"
Estou ponderando há um ano se deveria abandonar primeiro o Twitter
ou o Facebook, mas a questão sempre pareceu teórica --e óbvia: o Twitter é
essencial para o trabalho, enquanto o Facebook, cada vez mais sobrecarregado
por publicidade, questões de segurança e disputas de propriedade intelectual,
não.
Mas o que tenho visto no Twitter é uma deserção moral, que me leva
a considerar por quanto tempo ficar ali.
As melhores estimativas indicam que o número de contas do Twitter
continua alto, em mais de 500 milhões. Mas algumas das pessoas interessantes
optaram pelo silêncio. Seus tuítes estão se tornando mais
"profissionais" e menos espontâneos.
Muitas das celebridades, jornalistas, empreendedores e políticos
que contam com mais seguidores começam a censurar as minúcias de suas vidas
--os relacionamentos, as bebedeiras, os relatos em primeira pessoa de
distúrbios que no passado tornavam aquilo tão divertido.
AGRESSÕES
Acima de tudo, porém, algumas das mulheres mais conhecidas do
serviço de microblogs se viram forçadas a dedicar cada vez mais tempo à defesa
de seu espaço on-line contra ameaças de estupro, de morte e contra os
"trolls", problema mais insidioso.
Embora o Facebook seja maior, com mais de um bilhão de usuários,
ele ainda é uma "rede", enquanto o Twitter se transformou em um
serviço mundial de notícias sem censura e sem precedentes.
Um documentário do canal de notícias americano CNBC afirma que 70%
dos usuários do Twitter verificam sua página três minutos depois de acordar. Na
minha casa, isso seria considerado lento.
Entre os jornalistas, o Twitter substituiu as agências de
notícias: basta acompanhar alguém que você sabe que está na linha de frente de
uma determinada cobertura e você terá não só relatos em primeira mão, mas
usualmente corroboração ou ajustes em poucos segundos.
Assim, seria um desastre que o Twitter se tornasse disfuncional.
Mas o risco existe.
AÇÃO COLETIVA
Desde que participei da cobertura de ameaças de estupro e morte no
Twitter contra mulheres britânicas conhecidas, sou alvo constante de
"trolls", esses completos desconhecidos que invadem sua página e a
inundam de obscenidades ou coisa pior.
Minha resposta foi uma onda de bloqueios tão agressiva que fiquei
até com os dedos doloridos. E isso só funcionou por um motivo: sou homem. Na
internet, os trolls tomam mulheres por alvo, em sua maioria esmagadora.
Pode-se constatar, em termos gerais, uma alta no assédio
organizado contra oponentes políticos, também.
O Twitter, que prevê para o ano que vem um faturamento de US$ 1
bilhão, baseado na venda de publicidade, sabe que existe a chance de que parte
de sua base de usuários abandone o site subitamente, cansada de sexismo e de
abusos. Esses dois componentes estão se tornando questão de receita e lucro
para empresas de mídia social.
A solução precisa ser radical e coletiva, pois há muito em jogo.
Policiar abrangentemente o sistema é impossível. O Twitter poderia ajudar se
respondesse claramente às autoridades sobre qual é sua política de armazenagem
de tuítes apagados por serem considerados ofensivos.
Mas, em última análise, só os usuários poderão salvá-lo. Ao que
parece, isso envolverá listas criadas por usuários e compartilhadas, com
endereços de contas a bloquear.
O lado negativo seria entregar a uma terceira parte coletiva o
controle sobre o que você vê; algumas pessoas poderiam ser bloqueadas
injustamente. O nível de raiva cresceria entre aqueles que se divertem agindo
como "trolls".
Mas o resultado seria como a cena do Juízo Final na Capela
Sistina: uma divisão da humanidade on-line entre os salvos e os condenados
--mas como resultado do crowdsourcing, e não da intervenção divina.
E isso seria perfeito. Pois a erupção súbita de trolls, ameaças de
estupro e psicose em minha página serviu para me lembrar de que ainda existe
mal no mundo.
Tradução de PAULO
MIGLIACCI (via Folha Tec)
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